domingo, 16 de dezembro de 2012

Desconectada



Abro espaço no blog para um saboroso texto de Regina Duarte.  Ei-lo:

Se a tecnologia de virtualização do mundo criou uma interminável corrida em que não se vislumbra sequer o break concedido aos maratonistas para um gole de energético, reclamo hoje minha medalha olímpica. Explico. Constato que, nos últimos trinta anos, venho saltando mais que a Isinbayeva na tentativa de aproximar-me ao menos das fileiras intermediárias dos corredores. Mas ainda tenho de reconhecer que levo mais tempo para compreender o modus operandi destes gadgets modernos, do que para utilizá-los nas suas finalidades. E o pior: quando consigo manejá-los razoavelmente, estão para ser abandonados por outros mais sofisticados.

A indústria não respeita e nem se apieda da terceira idade. Simplesmente deixam de fabricar produtos por considerá-los ultrapassados. Como assim?! Não se deveria impor, nesses casos, a realização de um plebiscito? Tive de me desfazer sucessivamente de uma infinidade de álbuns de elepês adquiridos com a economia de anos, e de mais de uma centena de fitas de videocassete, quando no mercado não existiam novos aparelhos, sumindo também os técnicos que consertassem os antigos. Num mundo onde se critica tanto o desperdício, é um contrassenso.

Em contrapartida, a evolução dos CDs não me pega desprevenida. Já ganhei um mp3 e pude me desfazer, sem sequelas, daquelas caixinhas antipáticas. A decoração agradece. Agora, não me permito mais criar vínculos. Quero ouvir o último do Nelson Freire? Compro o CD, passo para o mp3 e jogo fora. Afinal, sempre fui excelente consumidora e minha voracidade não será abatida pelo sentimentalismo.
Gostava de ver, manusear, e até perceber o cheirinho de tinta nova das capas dos vinis enquanto os ouvia? Paciência. Na ordem do dia, usa-se apenas o sentido devido. Se é música, que se ouça, ora bolas! Tudo mais é romantismo sem sentido.







terça-feira, 9 de outubro de 2012

Da cozinha da vovó

A cozinha da minha avó estava longe de ser um espaço bonito e aconchegante como se vê na revistas. Pequena, sem qualquer elemento decorativo, era uma cozinha comum, como a da maioria dos lares brasileiros. O que fazia diferença ali era o que saia daquelas formas e panelas e ia para as boquinhas famintas de suas netinhas.
 
 Minha irmã e eu fomos criadas com comida natural, e, pra piorar, sem comer açúcar. Para aquela   época, mais de trinta anos atrás, era algo bem incomum, e nos viam praticamente como duas aberrações. As meninas vegerarianas eram as estranhas do colégio. Tínhamos que ouvir gracinhas e responder a perguntas cretinas como "e o churrasco na sua casa, é cenoura e chuchu no espeto?" Durante anos convivi com a desconfiaça de todos -inclusive do pediatra- sobre a minha alimentação, que, hoje em dia, já é recomendada por muita gente graduada por aí.

Talvez por causa de tanta restrição, nunca gostei muito de comer. Meu avô materno dizia que eu era "um bom garfo", porque, apesar de comer pouco, ele via em mim um sincero apreço pela comida. Sinceramente, vovô, não sei como. Minha pobre mãe cortava um dobrado para me obrigar a comer, uma novela de capítulos ora criativos, com musiquinhas para me distrair, ora aterrorizantes, com brigas históricas e muita gritaria (se paciência é a maior virtude, minha santa mãezinha já está com a vaga no céu garantida). É verdade que as receitas lá em casa sempre foram um tanto impopulares, como trigo cache, carne de soja, trigo bulgor e bife de aveia (!). Minha mãe fazia de tudo para deixar aquilo saboroso, na medida do possível, apesar de repetir o mantra "comida é para fazer bem, e não para ser gostosa". E como criança não entende que tudo aquilo é para o bem dela, a hora da refeição era sempre encarada por mim como uma obrigação cruel -à exceção dos domingos, quando lasanhas de queijo com tomate e macarronadas integrais com ovo estrelado faziam a minha alegria.

Sorte minha e de minha irmã que nas férias escolares íamos pra casa da nossa avó materna Iza, e seus dotes culinários eram suficientes para criar comidinhas apaixonantes. Primeiro eram as empadinhas de queijo, pequenas a ponto de uma criança colocá-las inteiras na boca, pra sentir de uma vez só o prazer daquela massa integral se desmanchando e virando uma farofinha, em total harmonia com a cobertura salgadinha do queijo. Mais tarde veio o empadão de legumes, também de massa integral, que devorávamos em generosíssimas porções. O calor senegalês do Rio de Janeiro -quase insuportável para duas meninas criadas na fresca serra de Petrópolis- fazia vovó atacar de doceira e preparar um dos quitutes mais desejados pelas netas: o sorvetinho de café. Usando mel de abelhas no lugar do açúcar, aquele era, sem dúvida, nosso maior prêmio de férias, e, não raramente, alvo de brigas entre mim e minha irmã, que nem sempre acabavam bem. Nos verões, também havia o gelinho de laranja, e num passe de mágica vovó transformava o suco do almoço numa refrescante sobremesa. Devíamos aquela delícia gelada à criatividade da vovó e ao inventor do freezer.

Mas o maior sucesso de bilheteria, que fazia as amiguinhas do prédio largarem a brincadeira no play e subirem sem pestanejar até o oitavo andar, era uma receita da minha mãe, mas que combinava tão bem com as férias que vovó fazia todas as noites, impreterivelmente, pra alegria geral: a pizza de massa integral. Uma vez ela me ensinou a fazer a massa, socando, socando, até cansar as mãozinhas destreinadas. Mas eu gostava mesmo era de ajudar a preparar o recheio: generosas fatias de muzzarela, cortadas "bem fininho, viu, moço", rodelas grandes de tomate, cebola, azeitona e orégano. Gostávamos de comê-la quase crua, assim que o queijo derretesse um pouquinho, nada de deixar dourar. Talvez fosse pra não ressecar, ou pela pressa em devorar logo aquela maravilha.
 
Hoje, comer deixou de ser uma obrigação e passou a ser um prazer. Mas nada se compara às primeiras delícias da nossa infância -ainda mais se saírem da cozinha da nossa avó.
 
 
 
 

quinta-feira, 8 de março de 2012

Pressa de anteontem

Me irrita um pouco essa ânsia das pessoas em querer saber tudo primeiro que os outros. Pode parecer um paradoxo pra uma jornalista confessar isso nos dias de hoje, em que todo mundo publica o que quer nas redes sociais e sites pipocam exclusivas a todo momento. Mas é que sou uma pessoa que não consome notícia com essa velocidade. Sinceramente, não me incomodo em saber das novidades com um pouco de “atraso”, porque geralmente o que mais me interessa é atemporal –ou quase.

Não me importo em esperar a nota oficial para saber se o técnico do meu time foi ou não demitido. Melhor do que ouvir alguém que apurou com pressa e se enganou –e, pior, repetir a notícia errada e dar uma ‘barriga’, como dizemos no jargão jornalístico, e que não é raro acontecer por aí.  Já me peguei várias vezes lendo o jornal de ontem e descobrindo, com horas de atraso, que a exposição que eu tanto quero ver finalmente virá pra minha cidade. O que é que tem saber só no dia seguinte quem ganhou o Oscar? Garanto que nunca perdi nenhum evento importante por causa deste 'lapso' na minha personalidade.

Não que eu não acredite no chamado ‘furo jornalístico’. Mas, pra mim, ‘furo’ importante é entrevistar alguém realmente relevante antes dos concorrentes. É levantar um caso que estava esquecido e fazer ele ser discutido novamente pela sociedade. É registrar o momento em que um atleta desabafa, chora, vibra, explode, e que só eu vi.

Como jornalista, sou contra plantões intermináveis sem sombra de notícia, horas perdidas nas ante-salas de escritórios, delegacias, federações, órgãos públicos em geral, esperando por uma informação que nunca vem. Perda de tempo. Não vejo problema algum em esperar pelo dia seguinte. Aliás, acho que a única noticia que deve ser divulgada com pressa é quando há risco à saúde, ou a morte de alguém. Ah, claro, e os números da Mega-Sena.

domingo, 1 de janeiro de 2012

Zelig

Ela é a mais popular da turma. Amiga de todo mundo, quer sempre ser agradável, engraçada, fazer elogios, chega a exagerar. Ela é tão boazinha que nunca falou mal de ninguém. Mas quer tanto te agradar, que até critica quem você não gosta na sua presença– apesar de se dar super bem com ela. Ela é tão legal, mas tão legal, que confunde suas opiniões com as dos outros só pra não contrariar ninguém.

Quem não conhece uma pessoa assim?

Acabo de assistir Zelig, de Woody Allen, de 1983, filmado como se fosse um documentário sobre a vida do estranho Leonard Zelig, um homem que quer tanto ser querido, que desiste de sua personalidade e se transforma em quem esteja ao seu lado. Se ele está junto de homens obesos, fica gordo. Se conversa com médicos, vira um especialista em medicina. Se está ao lado de negros, índios ou orientais, muda a cor da pele e os traços físicos. Um “camaleão humano”, que necessita ser aceito, fazer parte de um grupo, para se sentir feliz. E que, por isso, não sabe direito quem é, e precisa da ajuda de uma analista e do amor de uma mulher para se descobrir.

Existem inúmeros Zeligs por aí, e provavelmente você já deu de cara com um. Aquele sujeito que é tão puxa-saco, que é incapaz de emitir uma opinião verdadeira sobre qualquer coisa: quando está num grupo que adorou uma ideia, sinaliza conforme a maioria; se muda de mesa e conversa com quem achou a ideia idiota, diz que também não gostou. Pessoas que querem ser simpáticas até com quem verdadeiramente odeiam, só para se sentirem amadas. Que concordam com tudo para não terem que mostrar quem realmente são – e, em alguns casos, elas nem tem plena consciência de quem realmente são.

O que fazer quando a convivência com alguém assim é inevitável? Existe um remédio? No caso de Zelig, sua analista precisou recorrer à hipnose para que ele voltasse à infância e descobrisse o que o fez se tornar tão volúvel. Pode ser uma boa saída, mas, convenhamos, hipnotizar alguém não é assim tão fácil. Para quem é obrigado a conviver com um chefe, um colega de trabalho ou até um marido assim, muitas vezes é necessário que nós mesmos façamos o papel da analista - mas só vai funcionar se o ‘paciente’ tiver consciência de que precisa ser ajudado. É preciso que ele saiba que não dá mesmo pra agradar a todos, e, sendo assim, não é preciso ser puxa-saco, bonzinho, nem levar desaforo pra casa, só para ser amado.

Aos 7 anos de idade, quando ainda sonhava ser atriz, protagonizei na minha escola minha primeira peça de teatro. Fazia justamente o papel do camaleão, que mudava de cor conforme os outros animais da floresta quisessem, para fazer a vontade de todos e, assim, ser querido. Só que, ao mudar de cor, sempre havia um animal que não gostava de sua nova pele, de modo que era impossível satisfazer a todos. A moral da história, tão presente nos livros infantis, é que ‘quem não agrada a si mesmo, não pode agradar a ninguém’. E até uma criança entende que este conselho cai bem na vida de todo mundo.