terça-feira, 29 de janeiro de 2013

Rotina

Durmo com a certeza de um novo dia. Acordo no céu, pertinho das nuvens, sonolenta nas asas de um avião que me leva pra longe de casa. Vejo uma paisagem diferente da janela do carro, cinza, chuvosa, fria. Ouço histórias de homens bons, de homens maus, de homens que chegaram ao fundo do poço consumidos pela noção errada de prazer. Escuto, atenta, palavras de arrependimento, súplicas de quem esteve perdido e agora tenta reencontrar a vida. Pergunto sem parar e o que eu ouço são relatos de momentos tristes, solitários, amargos, vazios de existência. Saio dali e me refestelo no ar condicionado do quarto de hotel, igualmente sem vida, impessoal, gélido. Saio, tomo uma taça de vinho, como um prato de sabor familiar pra me sentir mais próxima do mundo real. Durmo, acordo e mais uma vez sigo em busca de depoimentos de sobreviventes, e o que encontro são as lágrimas desses sobreviventes. Aprendi a me distanciar das mazelas alheias nestes quinze anos de jornalismo. Mas choro por dentro, com a pouca certeza da esperança, com um milímetro apenas de fé. Recorro ao cinema e vejo na telona uma fábula sobre esta mesma fé, sobre Deus, sobre a natureza, sobre imaginação, crença e infância. Volto mais uma vez pro mundo e janto um prato que vem de longe, da Índia, para que seu sabor me leve pra longe e me inspire a escrever essas palavras. Vou dormir com aquela sensação confortante, aquela mesma certeza de um novo dia.