terça-feira, 9 de outubro de 2012

Da cozinha da vovó

A cozinha da minha avó estava longe de ser um espaço bonito e aconchegante como se vê na revistas. Pequena, sem qualquer elemento decorativo, era uma cozinha comum, como a da maioria dos lares brasileiros. O que fazia diferença ali era o que saia daquelas formas e panelas e ia para as boquinhas famintas de suas netinhas.
 
 Minha irmã e eu fomos criadas com comida natural, e, pra piorar, sem comer açúcar. Para aquela   época, mais de trinta anos atrás, era algo bem incomum, e nos viam praticamente como duas aberrações. As meninas vegerarianas eram as estranhas do colégio. Tínhamos que ouvir gracinhas e responder a perguntas cretinas como "e o churrasco na sua casa, é cenoura e chuchu no espeto?" Durante anos convivi com a desconfiaça de todos -inclusive do pediatra- sobre a minha alimentação, que, hoje em dia, já é recomendada por muita gente graduada por aí.

Talvez por causa de tanta restrição, nunca gostei muito de comer. Meu avô materno dizia que eu era "um bom garfo", porque, apesar de comer pouco, ele via em mim um sincero apreço pela comida. Sinceramente, vovô, não sei como. Minha pobre mãe cortava um dobrado para me obrigar a comer, uma novela de capítulos ora criativos, com musiquinhas para me distrair, ora aterrorizantes, com brigas históricas e muita gritaria (se paciência é a maior virtude, minha santa mãezinha já está com a vaga no céu garantida). É verdade que as receitas lá em casa sempre foram um tanto impopulares, como trigo cache, carne de soja, trigo bulgor e bife de aveia (!). Minha mãe fazia de tudo para deixar aquilo saboroso, na medida do possível, apesar de repetir o mantra "comida é para fazer bem, e não para ser gostosa". E como criança não entende que tudo aquilo é para o bem dela, a hora da refeição era sempre encarada por mim como uma obrigação cruel -à exceção dos domingos, quando lasanhas de queijo com tomate e macarronadas integrais com ovo estrelado faziam a minha alegria.

Sorte minha e de minha irmã que nas férias escolares íamos pra casa da nossa avó materna Iza, e seus dotes culinários eram suficientes para criar comidinhas apaixonantes. Primeiro eram as empadinhas de queijo, pequenas a ponto de uma criança colocá-las inteiras na boca, pra sentir de uma vez só o prazer daquela massa integral se desmanchando e virando uma farofinha, em total harmonia com a cobertura salgadinha do queijo. Mais tarde veio o empadão de legumes, também de massa integral, que devorávamos em generosíssimas porções. O calor senegalês do Rio de Janeiro -quase insuportável para duas meninas criadas na fresca serra de Petrópolis- fazia vovó atacar de doceira e preparar um dos quitutes mais desejados pelas netas: o sorvetinho de café. Usando mel de abelhas no lugar do açúcar, aquele era, sem dúvida, nosso maior prêmio de férias, e, não raramente, alvo de brigas entre mim e minha irmã, que nem sempre acabavam bem. Nos verões, também havia o gelinho de laranja, e num passe de mágica vovó transformava o suco do almoço numa refrescante sobremesa. Devíamos aquela delícia gelada à criatividade da vovó e ao inventor do freezer.

Mas o maior sucesso de bilheteria, que fazia as amiguinhas do prédio largarem a brincadeira no play e subirem sem pestanejar até o oitavo andar, era uma receita da minha mãe, mas que combinava tão bem com as férias que vovó fazia todas as noites, impreterivelmente, pra alegria geral: a pizza de massa integral. Uma vez ela me ensinou a fazer a massa, socando, socando, até cansar as mãozinhas destreinadas. Mas eu gostava mesmo era de ajudar a preparar o recheio: generosas fatias de muzzarela, cortadas "bem fininho, viu, moço", rodelas grandes de tomate, cebola, azeitona e orégano. Gostávamos de comê-la quase crua, assim que o queijo derretesse um pouquinho, nada de deixar dourar. Talvez fosse pra não ressecar, ou pela pressa em devorar logo aquela maravilha.
 
Hoje, comer deixou de ser uma obrigação e passou a ser um prazer. Mas nada se compara às primeiras delícias da nossa infância -ainda mais se saírem da cozinha da nossa avó.
 
 
 
 

Um comentário:

  1. Q legal, q deleite "ouvir" essa história do seu passado, seu konvívio kom seus pais e avôs. Algo ineskecível. Traz-me d volta à minha infância kom minha Família na simplicidade d uma cidadezinha d Alagoas onde nasci e kresci kom todo o akonchego, zelo e afeição de todos. Valew pela reflexão. Bom d+...

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