domingo, 5 de setembro de 2010

Imagens e beijos

Qual imagem você escolheria para definir a sua vida? Que foto melhor simboliza o momento que você está vivendo agora?

Meu fotógrafo preferido, o francês Robert Doisneau, captou em 1950 uma imagem que ficou conhecida no mundo inteiro: "O beijo", ou "Le baiser de l'hôtel de ville" , no original, é o flagrante de um casal comum dando um beijo apaixonado numa movimentada rua de Paris. Simbolizava a força do amor jovem na cidade-luz no período do pós-guerra. A identidade do casal permaneceu um mistério durante décadas. Só em 1992, mais de quarenta anos depois de ter tirado a foto, quando virou alvo de um processo judicial movido por um casal que acreditava ser o personagem da imagem captada sem sua autorização, Doisneau revelou que aquela foto nunca fora uma feliz obra do acaso. O casal fotografado era, na verdade, formado por dois atores, que, a pedido dele, se beijaram. A explicação do artista é o que mais intriga, principalmente nós, brasileiros: "jamais ousaria fotografar um casal assim. Amantes se beijando na rua? provavelmente não era um casal legítimo."

Quem já visitou alguns países europeus e, principalmente, os Estados Unidos, entende logo esta visão de Doisneau. Lá, beijar em público é quase um acinte. Os americanos deram até um nome para o ato de demonstrar carinho na frente de qualquer um: P.D.A -  public display of affection. E são totalmente contra. Em casos extremos, chegam a gritar na rua: "get a room!", ou seja, "vá procurar um quarto pra fazer essas sem-vergonhices". Na França dos anos 50, então, um beijo como aquele só poderia envolver dois amantes, ou um casal "não-legítimo", para usar as palavras do artista.

É nessas horas que fico feliz de viver no século XXI e, principalmente, no Brasil. Ou vai me dizer que tem algo melhor do que ser surpreendida pelo seu namorado com um beijo daqueles, apaixonado, no meio da rua, sem qualquer explicação? Casais que estão juntos há muito tempo às vezes esquecem de que momentos como esse, de demonstração de amor espontâneo, de beijos ardentes sem motivo, valem mais que o automático "eu te amo" de todo dia. Nada de beijo na testa ou selinho de bom dia. Ser puxada pelo braço no meio da frase e levar um beijo de cinema, hum, afasta qualquer mau-humor, e desperta aquela sensação de que se é amada de verdade.

E se, voltando à pergunta do início, você precisar de uma imagem pra definir sua vida, seu momento, tomara que seja uma foto como a de Doisneau - mas de preferência de um beijo genuinamente verdadeiro.

2 comentários:

  1. Já conhecia a foto, mas não conhecia a história.

    Inspirou-me a fazer até um poema...

    O Beijo

    Na rua
    O casal, alheio
    Não obstante, o anseio
    Do gesto quisto
    Mesmo que visto
    Por quem não quisesse ver

    O furor
    Desnuda o pudor
    Acende o calor
    Aquece o coração
    Agita a respiração
    Faz-se acontecer

    Esqueça, amante
    Desta lógica retumbante
    E a toma-te pelo braço
    Mesmo que cause embaraço
    Toca-lhe com a boca o desejo
    Não lhe importa o ensejo
    Nem mesmo o cortejo
    De pessoas a te criticar

    Pois o beijo não faz hora
    É agora, sem demora
    Não importa o lugar

    Seja amor incessante
    Paixão retumbante
    Ou tesão a saciar

    Boca na boca
    Esqueça do tempo
    Fique ao relento
    Com o toque do mel
    Que em tempos de fel
    Nos faz invejar...

    Adorei! Que bom ver a Escrivinhoteca de volta...

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  2. Karin,
    Quando você vai escrever um livro com suas crônicas? Estão lindas... espero poder estar na noite de autógrafos desse livro.
    Parabens !
    Denys, São Paulo.

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