sábado, 4 de dezembro de 2010

Quase 80

Eles são do tempo em que se dava corda em relógio de pulso.
Do tempo em que quase não havia carros, não existia tv e as novelas de rádio eram o maior sucesso.
Do tempo em que as pessoas se respeitavam e não tinham pressa.
Do tempo em que o tempo passava mais devagar.

Um é bem conhecido no país inteiro: Leo Batista, apresentador de tv, 60 anos de profissão, para pra conversar como se me conhecesse há séculos. Sempre com seu casaquinho, voz mansa e firme, carinha simpática. Um fofo. Me conta uma piada, reclama da bagunça do Rio, revela que se sentiu desrespeitado numa festa onde apresentou o convite mas teve que ouvir da mocinha da porta "o nome do senhor não consta da nossa lista, o senhor teria outro nome?" Compartilha comigo da ideia de que o que estraga este país de natureza exuberante é seu povo, mal-educado, ladrão, porco, desonesto, com raras exceções, claro. Ele tem quase 80, mas a cabeça jovem e a lucidez de um garoto. De um jeitinho meigo, diz que nunca está cansado, "vocês é que vivem cansados" e termina o papo contando que não gosta de palavras que lembrem coisas antigas. "Museu, baú, estão doidos pra me pegar. Passo longe deles."

A outra personagem desta história, não conheço de nome. De bengala na mão por causa de um tombo que sofreu, a senhorinha, de pele bem menos enrugada que o esperado pra sua idade, dispara, com a doçura de quem não se importa em zombar de sua própria condição: "sabe quando você vê que a pessoa tem mais de 80? quando ela diz 'vou tirar retrato', 'me empresta um rouge', ou 'acabou meu laquê'. Hoje em dia se diz foto, blush, fixador."

Hoje em dia se diz muita besteira. Se fala muito e se ouve pouco, e eu me incluo nessa lista. Os jovens não tem mais tempo de escutar os mais velhos. Quanto mais novo, mais tem pressa não sei de quê. Quando   perdemos nossos velhos queridos -avós, avôs, tios- é que sentimos pena de não termos aproveitado toda a sabedoria que eles acumularam. "Como era mesmo aquela história que o vovô contava?"

O tempo passa depressa. Portanto, sinta-se sortudo se alguém com quase 80 estiver disposto a gastar o tempo dele, este sim, curto, jogando conversa fora com você.

3 comentários:

  1. Muito boa sua reflexão, gostei muito.

    Hoje somos muito individualistas, impessoais e superficiais.
    Infelizmente a humanidade tem "conquistado" muito na area da ciencia e tecnologia, mas tem perdido o essencial, que é o principio da familia, um relacionamento, respeito aos mais velhos, sentar numa mesa e ouvir conselhos.
    Inves de refletir, vamos sair falando que são antiquados e não entendem a modernidade.
    Nos tornamos "muito bons" para certos principios sentimentais.

    Bjss querida

    ResponderExcluir
  2. O seu belo texto transmite-nos muito bem a realidade atual.O ser humano está cada vez mais individualista,menos sensível e preocupado com o outro.Temos sempre que ter em mente(e seu texto é um alerta à isso)que amor,carinho,afeto,atenção,são sentimentos inerentes a condição de "ser humano".E precisamos cultiva-los SEMPRE.Parabéns,querida!Seus textos são muito instigantes e reflexivos.Aproveito,se me permite,para convida-la a visitar meu Blog:http://luizfranco-eduardo.blogspot.com Gostaria muito que você lesse meus textos e deixassae,se possível,seu comentário.Será de grande valia para mim.Obrigado e um grande abraço!

    ResponderExcluir
  3. É, Amiga!!! Que bom seria se akeles tempos retornassem: ahhh!! poderíamos valorizar nossos “velhinhos” kom mais frequência. Não sentir pena, komiseração por eles, muito menos konsiderá-los komo antiquados, komo fardos - mas komo seres experientes, sábios e kom uma vontade imensa de interagir, de akonselhar ou apenas konversar kom os mais novos..., nos kontar suas belas histórias de Vida reunidas ao longo do longo Kaminho perkorrido: de vitórias, sofrimentos e aprendizados.
    Kem jah teve um tempinho pra sentar e bater um papo legal e espontâneo kom alguns deles (em casa, no “trampo”, na praça, em abrigos, em komunidades, em eventos ou seja onde for), ouve kada koisa linda – de molhar os olhos. E para eles, torna-se um deleite, um prazer e uma alegria indescritível poderem ser notados e saberem que estão sendo ouvidos. E é nestas horas que um ateu tem sua chance de enxergar a presença viva do CRIADOR.
    Sim, devemos a eles muito Respeito, Gratidão, Admiração e Carinho.
    Respeitar e Amar todos os “velhinhos” representa valorizar a Experiência de Vida, o Konhecimento, a Sabedoria akumulada de kem viveu e aprendeu, de kem sofreu, de kem tem um passado e uma história, de kem kolaborou para a konstrução deste mundo e de kem deu a Vida a kem hoje é jovem.
    Um beijo em todos, então...
    E Muito Obrigado!!!!

    ResponderExcluir